quarta-feira, 24 de março de 2010

"Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua
a ser milho para sempre."



Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem
quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo, fica do
mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma
dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que seu
jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo.
O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca
imaginamos: a dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um
filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre.
Pode ser fogo de dentro:pânico, medo, ansiedade, depressão
ou sofrimento, cujas causas ignoramos.
Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo! Sem fogo o
sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da grande transformação
também. Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá
dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer.
Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar
um destino diferente para si. Não pode imaginar a transformação que
está sendo preparada para ela. A pipoca não imagina aquilo de que ela
é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação
acontece: BUM! E ela aparece como uma outra coisa completamente
diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado. Bom, mas ainda
temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a estourar.
São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente,
se recusam a mudar. Elas acham que nãopode existir coisa mais
maravilhosa do que o jeito delas serem. A presunçãoe o medo são
a dura casca do milho que não estoura. No entanto, o destino
delas é triste, já que ficarão duras, a vida inteira. Não vão setransformar
na flor branca, macia e nutritiva. Não vão dar alegria para ninguém.

Extraído do livro "O amor que acende a lua", de Rubem Alves.

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